segunda-feira, 20 de julho de 2009

O Imperador era mais acessível




O
IMPERADOR ERA MAIS ACESSÍVEL




Neste ano de 2007 em que escrevo estas linhas aconteceu um episódio muito esclarecedor sobre o tópico acima. Um homem simples vindo do nordeste, gastara todas as suas economias para chegar a Brasília e poder falar com o presidente da República. O pobre homem se dirige ao palácio do planalto e ingenuamente pede para falar com a autoridade máxima da República. Aconselhado a deixar o local o homem se desespera, viajara tanto para expor seus problemas e agora era barrado sem ao menos poder entrar no palácio. O problema se prolongara e o homem não parecia querer ir embora. A televisão chega. O Brasil vê a agonia de um cidadão que jogado no chão pede e grita que quer falar com o presidente da República. Finalmente o homem e detido e levado para exames psicológicos. Conclusão : a chefia máxima da República é tão inacessível ao cidadão comum, que qualquer um que tente falar diretamente com o presidente da República é tido como louco e portanto deve ser internado.
A questão na inacessibilidade presidencial pode ser verificada quando os chefes republicanos se vêem obrigados por qualquer motivo a passarem, mesmo que de longe pelo povo. Uma verdadeira operação de guerra é montada para proteger e isolar o presidente. Ai daquele que tentar se aproximar.
No tempo do império era diferente. Todo mundo, sem exceção, podia ser facilmente admitido à presença do imperador, não se exigindo vestimentas nem autorizações especiais para tal. Bastava apresentar-se no Paço, dizer o nome que era escrito num grande livro, e penetrar naquelas salas abertas. Um cronista da época dizia:
“ Cada um pode apresentar-se como quiser, de casaca, de uniforme, de blusa, de roupa de trabalho; nem por isso deixa de ser recebido por Sua Majestade. O mais humilde negro, em chinelos ou pés descalços, pode falar ao Soberano.”
O Conselheiro Nuno de Andrade descreveu uma audiência do Imperador;
“ Às cinco horas em ponto desci do tílburi, junto á portinha baixa onde uma sentinela cochilava. Não se pedia licença para entrar. Tomei a escada da direita, e fui ter a um longo salão retangular quase sem móveis, com grandes quadros nas paredes. O Freire, criado da casa, meu conhecido, disse-me:
-O Imperador não tarda.
Cerca de quinze pessoas esperavam D. Pedro II, e entre elas um preto vestido de brim pardo, sem gravata, com uns grandes sapatos muito bem engraxados. Despreendia-se do lustro do calçado que o preto cuidara de parecer asseado; e, como era idoso, a intenção traduzia certa altivez nativa. Tinha ido a pé e sentia-se cansado, por isso sentara-se no chão da galeria. O Pederneiras, com sua barba branca, chegou-se a mim, indicou o preto e disse filosoficamente:
-Ainda querem mais liberdade nesta terra...
Instintivamente olhamos para as portas, constantemente abertas a todos os brasileiros.
O Imperador apareceu no extremo da galeria, e o preto lavantou-se. Seria o primeiro a falar ao soberano, e ninguém se lembrou de lhe disputar a precedência. O Imperador lhe perguntou:
-Então, como está? Que é que temos?
-Estou bom, sim senhor. E vosmecê? Eu venho dizer a vosmecê que fui voluntário na guerra do Paraguai. Na batalha fiquei com um braço ferido por bala. Curei-me e continuei até o fim de tudo. Depois voltei e cai no meu ofício de empalhador. Há um ano adoeci do fígado, e o Dr. Miranda, na Santa Casa, me fez uma operação. Nunca mais tive saúde. Agora não posso mais trabalhar no ofício, e não tenho vintém para comprar farinha. Na secretaria do império há falta de servente. E eu fui falar com o ministro. Mas o ministro não fala com toda a gente. Estão lá uns mulatinhos pernósticos, que me dizem sempre:
-Você espere. Eu espero, sim senhor: e depois os mulatinhos me mandam embora, porque o ministro não recebe mais ninguém. Já três vezes isso me aconteceu. Então fiquei zangado e pensei assim: vou falar ao Imperador, que é nosso pai: ele não manda a gente embora. Ora, pois, eu queria que vosmecê me desse um bilhetinho para o ministro...
O Imperador chamou o general Miranda Reis, que então o acompanhava, e disse-lhe algumas palavras. Voltando ao preto exprimiu-se assim:
-Vá com Deus. Fico sendo seu procurador, e tratarei do seu negócio.”

2 comentários:

  1. D. Pedro II era o cara!
    Realmente, é difícil ir ter com o Presidente da República. Nossa arquitetura foi planejada para não ter portões nem entraves entre os cidadãos e aquele que detem o poder. Mas outras estruturas, agora burocráticas, impedem o diálogo daquele que comanda com aqueles que o elegeram. Abaixo a República! Viva o Império!

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  2. João parabéns pelo blog, é muito interessante e esclarecedor.

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