A questão religiosa
As tensões entre o Império do Brasil e a igreja tiveram origem nas novas diretrizes do Vaticano, fixadas por Pio IX em 1864 nas bulas Quanta Cura e Syllabus errorum, que condenavam as liberdades modernas, reafirmando o predomínio espiritual da Igreja no mundo. No Brasil, tais mudanças causaram um choque de interesses entre o alto clero, que passou a adotar uma postura ultramontana - romanização do catolicismo - e o Estado.
O ponto máximo do conflito ocorreu entre 1872 e 1875, em meio ao confronto entre o episcopado e a Maçonaria, que resultou na prisão dos bispos de Olinda e Belém.
A Constituição de 1824 havia mantido o Padroado, sistema pelo qual as iniciativas da igreja dependiam da aprovação e dos recursos do Estado.
No entanto, por volta de 1850, uma nova geração de eclesiásticos, formada de maneira mais rigorosa e influenciada pela presença de missionários estrangeiros, passou a ver essa atuação do Estado como um obstáculo à propagação da religiosidade mais espiritualizada e da moral mais estrita de que estavam imbuídos, assumindo uma posição ultramontana, que a colocava diretamente sob a direção da Santa Sé, na busca de uma romanização da Igreja no Brasil.
No período colonial, coube à coroa portuguesa a iniciativa de enviar missões católicas para o Brasil, mantendo-as sob sua jurisdição. Caracterizou-se este catolicismo pelo seu aspecto laical, organizado em irmandades.
Com a bula papal, Pio IX insistia sobre a autoridade suprema da igreja sob a sociedade, condenando enfaticamente a Maçonaria.
No Brasil, desde a independência, a Maçonaria era importante espaço de sociabilidade das elites, congregando em seu meio, inclusive, eclesiásticos.
Em março de 1872, a Grande Oriente do Lavradio, loja maçônica do Rio de Janeiro, escolheu o padre Almeida Martins como um dos oradores da sessão de homenagem ao grão-mestre visconde do Rio Branco, para celebrar a assinatura da Lei do Ventre Livre. Publicado o discurso na imprensa, criou-se enorme escândalo, o que levou o bispo D. Pedro de Lacerda a suspender o eclesiástico, sob os protestos dos maçons, que viam na punição uma interferência de Roma nos assuntos internos do Brasil.
Dois meses depois, tomava posse na Sé de Olinda, escolhido por D. Pedro II, D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira.
Formado em um seminário francês, já no novo espírito ultramontano, passou a aplicar o espírito reformado em sua diocese. D. Vital temia também a crescente atividade de missionários protestantes, que desde 1830 percorriam a província, distribuindo bíblias e folhetos, os quais ao seu ver, estavam unidos aos maçons, num complô contra a verdadeira religião.
Em fins de 1872, uma circular do bispo proibiu a participação de eclesiásticos em qualquer cerimônia maçônica.
Como represália, uma loja convocou a celebração do dia 21 julho como uma da mais auspiciosas para a humanidade, relembrando a data em que no ano de 1773 a congregação dos jesuítas fora suprimida.
A coisa ia neste pé, quando um jornal maçônico publicou artigos de um protestante, discutindo a perpétua virgindade de Nossa Senhora.
D. Vital lançou então um interdito sobre duas capelas de irmandades que se recusavam a expulsar os confrades maçons.
Em maio de 1873, D. Vital suspendeu o deão da catedral, a segunda pessoa em importância na hierarquia da igreja local, conhecido regalista e próximo da maçonaria. O fato levou ao saque da tipografia dos jesuítas e a morte de um sacerdote com uma facada.
Temendo a queda do gabinete conservador, a coroa procurou conter D. Vital, ordenando-lhe que levantasse o interdito lançado sobre as irmandades que abrigavam maçons.
D. Vital recusou-se.
Indiciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, D. Vital foi preso em 2 de janeiro de 1874, e enviado para o Rio de Janeiro, onde foi julgado a partir de fevereiro, juntamente com D. Antonio de Macedo Costa, bispo do Pará.
Ambos foram condenados à pena de quatro anos com trabalhos forçados, o que causou grande comoção.
Várias províncias dirigiram abaixo-assinados, que totalizaram cerca de 100 mil assinaturas, à Câmara dos Deputados.
Apesar de encerrada com a comutação da pena pelo imperador e a anistia concedida aos bispos, a Questão Religiosa acirrou a discussão da relação entre o poder secular e o espiritual. Para os fiéis tocados pelo ultramontanismo, majoritariamente urbanos e alfabetizados, a prisão dos bispos indicou o caráter arbitrário das instituições, distanciando-os do regime. Para a grande massa da população, ainda presa à religiosidade antiga, aquilo tudo fora uma impiedade.